quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Feliz Natal e Prospero Ano de 2012 - O Terapeuta e o Tao

Desejo a todos um Feliz Natal e Prospero Ano Novo de 2012!
Estou relatando, abaixo, uma história sobre a "arte da cura", para reflexão de todos nós que trabalhamos na área de saúde.
"Havia um médico na antiga China cujo trabalho era cuidar dos soldados nas batalhas. Entretanto, a angústia de ver as atrocidades da guerra, e o fato de que sua função como médico parecia inútil, pois sempre que curava um soldado este voltava à guerra e eventualmente morria, fez com que ele pensasse:
"Se o destino de todas as pessoas é morrer, por que devo eu buscar salvar vidas? Se minha medicina tem realmente valor, por que estes homens, após serem curados, voltam a buscar a morte?"
Sem conseguir encontrar uma resposta, o médico abandonou sua profissão e foi às montanhas procurar um sábio mestre Zen. Após meses de prática, ele finalmente compreendeu seu dilema. Afastou-se de seu retiro e voltou à cidade. Quando lá chegou, um amigo seu cumprimentou-o pela sua volta e disse:
"Que felicidade vê-lo de volta. Encontrou a resposta para sua dúvida?"
"Descobri que todo este tempo fiz a pergunta errada. Não sou médico porque busco salvar vidas; sou médico porque a Vida merece ser perpetuada o maximo possível. O médico não salva a vida de outrem; ele apenas ajuda a perpetuar a Vida Universal (o Tao) em cada ser que busca curar. Pois a vida de cada ser é uma só Vida, e cada vez que curo alguém, mantenho o Tao em perpétuo e maravilhoso movimento."
Republicando as Reflexões do Natal passado de 2011:

Reflexões sobre o Final dos Tempos e 2012

Tempo é o Deus Cronos, para os Gregos.
O Tempo, na Bíblia é citado na vinda de Cristo, o Redentor:
No principio era o Verbo (a Palavra), e o Verbo estava com Deus e o Verbo (a Palavra) era Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era a vida e a vida era a luz dos homens e a luz brilhava nas trevas, mas as trevas não a apreenderam. E o Verbo (a Palavra) se fez carne (se materializou) e habitou entre nós. O Verbo (a Palavra) existia antes de todos os Tempos (Evangelho de João).
O Tempo, na cultura chinesa se manifesta no I Ching. Esse livro, o mais antigo da Humanidade, tem sua origem há mais 5.000, na época do imperador lendário da China, Fu Hsi. Fu Hsi teria visto num casco de uma tartaruga o Mapa Ho Tu (Mapa do Rio Ho). Esse mapa representaria o Mundo Não Manifesto, o Mundo Perfeito, sem movimento e atemporal. Logo depois, outro imperador lendário da China teria visto o Mapa Lo Shu (Mapa do Rio Lo), no corpo de um dragão. Esse Mapa representaria o Mundo Manifesto, o Mundo em movimento e temporal. A interpretação desses dois mapas deu origem aos 64 Hexagramas do I Ching.
Nesses 64 Hexagramas estariam representadas todas as possibilidades da existência, na eterna alternância do ser e não ser.
O Tempo foi sempre o medidor da existência, das coisas do Mundo Manifesto, sendo, definitivamente, o Tempo, se um Deus, um Deus pagão, criado na ilusão da mudança, do movimento e da separação. O Tempo seria o responsável pelos erros e pecados da Existência, a qual, e por causa dele, teria ficado finita. No Tempo estaria a raiz das mudanças inexoráveis para a Morte.
O Ano de 2012, ou o Tempo contado até 2012, seria o Tempo Manifesto desenhado no Lo Shu, que representaria as mudanças contínuas e cíclicas do Universo Manifesto. Representaria o Imperfeito.
O Ano de 2012 seria então o marco para o retorno ao Não Manifesto e ao Perfeito? O retorno ao equilíbrio e a Perfeição do Homem. O retorno ao Éden, ao paraíso de onde Adão foi expulso? O retorno ao Mapa do Mundo ao Ho Tu?
Se assim for, o Tempo enfim teria cumprido o seu papel na existência e teria findadas as suas mudanças inexoráveis do ir e vir, do nascimento e morte?
Em 2012 estariamos assim no caminho rumo à perfeição de Deus para a eternidade e felicidade. Votaríamos a sermos, então, UM com Deus.  
Se assim for, vamos nos regojizar com a finitude do Deus Tempo, o Cronos, com o Lo Shu, o Mapa do Manifesto, o Deus Pagão, e voltarmos para a Palavra que é Deus, que sempre existiu, antes de todos os Tempos, e viveremos a felicidade eterna, juntos com os anjos e arcanjos. O retorno, enfim, ao Paraíso.
Feliz Ano Novo. Salve 2011!!!!!!!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Acupuntura no Brasil - O Conflito de Identidades (Identidades legitimadoras, Identidades de resistência e Identidades de projeto)


 “Parece que é na tentativa de rearticular a relação entre sujeitos e práticas discursivas que a questão da identidade – ou melhor; a questão da identificação, caso se prefira enfatizar o processo de subjetivação (em vez das práticas discursivas) e a política de exclusão que essa subjetividade parece implicar – volta a aparecer.” (Hall, 2000:105)

Antes de aprofundar-nos nas categorias de identificação que se apresentam nesse embate atual, creio de suma importância resgatar os conceitos essenciais formulados por Stuart Hall. Primeiramente, Hall alerta-nos sobre o caráter “estratégico e posicional” de seu conceito de identidade, e ressalta seu papel na delimitação da diferença e da exclusão, mais do que um signo de unidade e similitude. Nas próprias explicações do autor:


Utilizo o termo ’identidade’ para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos ‘interpelar’, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar’. (Hall, 2000:111-112)



Dentro desta noção, aparece o coletivo da acupuntura multiprofissional, formado a partir da criação da Postaria 971 e da inserção destes profissionais da área de saúde no SUS. Profissionais de áreas tão díspares, como farmácia e educação-física, passam a exibir sua identidade de acupunturista multiprofissional e passam a lutar juntos contra a regulamentação da acupuntura autônoma e independente, em audiências públicas e seminários promovidos pelos relatores dos Projetos de Lei, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados (a serem analisados no Capítulo 5). Este coletivo, em associação com o próprio Ministério da Saúde, passa a defender a irrelevância destes projetos, argumentando que os “especialistas” seriam suficientes para exercer as funções de acupunturista e passam assim a negar toda a complexidade e autonomia deste saber milenar em prol de uma postura acomodada, por parte do Ministério, e interesseira e corporativista, pelo lado dos profissionais da saúde. Minha posição, aparentemente taxativa e parcial nesta discussão, vem na direção de tudo o que foi discutido anteriormente nessa dissertação e vem consolidar uma postura de terceiro incluído, e conhecedor destas realidades conflitivas, portanto assumindo a posição de sujeito inseparável do objeto, numa análise antropológica e transdisciplinar. Complementando o anterior, cito a opinião de Morin sobre as especialidades, convergindo na direção da necessidade de valorização da ciência médica chinesa em toda a sua complexidade:


A inteligência parcelar, compartimentada, mecânica, disjuntiva, reducionista, quebra o complexo do mundo, produz fragmentos, fraciona os problemas, separa o que é ligado, unidimensionaliza o multidimensional. (Morin, 2000)



Além do mais, creio oportuno resgatar os mais consistentes preceitos da ciência antropológica e exaltar as palavras de Arias-Schreiber, para expor a necessidade de uma aceitação radical do outro:



El reconocimiento es más que la tolerancia positiva. Reconocer al otro en su alteridad radical es más que respetar sus diferencias y comprenderlo desde su percepción del mundo. Reconocer al otro es respetar su autonomía, es percibirlo como valioso. Pero la valoración a priori del otro es un falso reconocimiento. La gente merece y desea respeto, no condescendencia. El verdadero reconocimiento es a posteriori, se da en la experiencia del encuentro con el otro. Pero solo es posible en relaciones auténticamente simétricas y libres de coación (grifo meu). El verdadero reconocimiento presupone una actitud reflexiva en relación a nosotros mismos, una objetivación de nuestra manera de entender y valorar el mundo. (...) Nos permite liberarnos del etnocentrismo acrítico que impide la apertura al otro y la valoración de las diferencias. La valoración a posteriori de lo diferente es el reconocimiento auténtico. (Arias-Schreiber, 2005:189-190)



O entendimento destes argumentos passa a ser vital para o fomento de um debate verdadeiro entre as partes, ainda mais em um momento no qual este encontro acontece em um terreno tão privilegiado como o próprio Congresso Nacional, a casa do processo democrático. Parece ser uma oportunidade para que todas as partes sejam levadas a sério e que os reconhecimentos surjam do encontro pleno entre essas realidades.

Em outra abordagem possível, recupero as noções de identidade trabalhadas por Castells, para aplicá-las já adequadas a este projeto e, assim, expor a realidade da acupuntura no Brasil, onde se evidenciam, dentro de suas peculiaridades, as identidades legitimadoras, de resistência e de projeto (Castells).





Identidades legitimadoras, Identidades de resistência e Identidades de projeto


Para começar, resgato os conceitos de Castells sobre os três grandes tipos de Identidade, construídos a partir de seus estudos sobre os movimentos sociais nas últimas décadas. Nesse presente trabalho, faço adequações de  suas denominações por acreditar que possam ser aplicadas para a realidade dos conflitos de identidade entre os coletivos da acupuntura no Brasil atual. Segundo o autor, essas seriam as três identidades:



[...] Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais “;
     Identidade de resistência: criado por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação.
     Identidade de projeto: quando os atores, utilizando- se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade [...] (Castells,1999: 24 )



Atualmente convivem, de uma maneira não muito harmônica, três grandes grupos com a Identidade Acupunturista. De um lado temos o coletivo de médicos-acupunturistas, especialistas recentemente chamados de acupunturólogos. De outro lado, estão os especialistas vinculados às profissões da área de saúde que reconhecem a acupuntura como especialidade, conhecidos pela bandeira da acupuntura multiprofissional. E considerados à margem dos processos legais, está um heterogêneo grupo sob a denominação de acupunturistas tradicionais. A intenção deste capítulo é precisamente tornar inteligíveis estes agrupamentos, com suas subdivisões, e, concomitantemente, explicitar este conflito de identidades.

Os médicos-acupunturistas são, aparentemente, o coletivo mais forte em atividade no Brasil atual. Nos capítulos anteriores discutimos o longo processo de assimilação da técnica pelo coletivo e a transição de uma postura cética e desconfiada para outra de comprovação científica certa. Deste modo, este coletivo assume o papel de umaidentidade legitimadora, nos termos de Castells, e passa a desempenhar a função de ampliar e racionalizar sua dominação, sob o aval da ciência dominante. Esta característica foi amplamente discutida no Capítulo 3, quando foi apresentada a postura médica frente a técnica e sua apropriação isenta do saber que lhe deu origem, perpetuando, deste modo,  o modus operandi da medicina oficial.

O coletivo dos acupunturistas-especialistas das profissões “subalternas” da área da saúde, representando a acupuntura multiprofissional, passa a assimilar o papel deidentidades de projeto, redefinindo seu próprio papel na sociedade, nos termos de Castells, e, em sintonia com as diretrizes do SUS, desvencilhando-se da condição subalterna (com a ajuda da própria acupuntura) frente aos médicos, como no caso dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, ou farmacêuticos, os quais sempre se encontraram em uma posição inferior na hierarquia das profissões da saúde, à mercê dos ditames médicos. Esse coletivo, apesar de bastante heterogêneo, por contar com profissionais de formações totalmente diferentes, dentro dos estudos ocidentais, passa a compartilhar uma identidade comum: acupunturista multiprofissional.

E ainda um terceiro grupo, também bastante heterogêneo, formado por profissionais técnicos, com diplomas reconhecidos pelas secretarias de saúde estaduais e com diplomas publicados em diário oficial (e, portanto, reconhecidos pelo Estado) somado a outros profissionais sem o devido reconhecimento do Estado, com formação em cursos livres ou por faculdades no exterior, intitulado acupunturistas tradicionais. Estes últimos encarnam a identidade de resistência neste processo, e clamam pelo reconhecimento simplesmente, livres de coação, em sintonia com os projetos de lei que tramitam no congresso nacional e visam a regulamentação da profissão e da formaçãoem Nível Superior de forma independente. Estes profissionais se encontram na posição de identidades de resistência e, segundo Castells, “constroem trincheiras de resistência e sobrevivência baseadas em princípios diferentes ou opostos aos que impregnam as instituições da sociedade” (Castells, 1999: p 24)

Trecho da dissertação para finalização do Bacharelado em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia, UnB.